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Padrões das Atuais Políticas Industriais no Mundo, segundo o FMI
Carta IEDI
Edição 1254
Sumário
A Carta IEDI de hoje tem como propósito apresentar os dados recentemente divulgados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o conjunto de políticas industriais adotadas pelos países no ano de 2023, a partir da base de dados do chamado “New Industrial Policy Observatory” (NIPO).
O Observatório do FMI registra e acompanha diferentes medidas de política industrial (tomada em conceito amplo), implementadas ao redor do mundo e tenta cobrir importante lacuna de informações.
Diferentemente de outras políticas, como a política a monetária e a fiscal, não há para a política industrial dados sistemáticos e de qualidade em escala global. Como resultado, o Fundo alerta que as avaliações empíricas sobre o tema tendem a ser parciais e limitadas, em geral restritas a setores ou casos nacionais.
Os dados do novo Observatório foram compilados e analisados no documento do FMI intitulado “The Return of Industrial Policy in Data”, elaborado por Simon Evenett, Adam Jakubik, Fernando Martín e Michele Ruta, e divulgado em janeiro de 2024. Trata-se de um esforço em identificar padrões desta nova fase de adoção de política industrial em países avançados e emergentes.
A base de dados compila informações sobre 75 jurisdições (países ou blocos econômicos), representando 94% do PIB mundial, que adotaram algum tipo de medida de política industrial no ano passado, destacando a forma das intervenções e as motivações indicadas pelos governos. Em 2023 foram identificadas mais 2.580 medidas de política industrial no mundo, 71% das quais podem impactar a dinâmica de comércio global, segundo o FMI.
Da posse desses dados, os pesquisadores do Fundo não apenas apontam algumas tendências recentes, como também realizam exercícios econométricos preliminares para verificar a correlação entre o uso da política industrial e elementos de economia política, dinâmica de retaliação por outros governos ou condições macroeconômicas dos países.
Alguns dos principais achados do estudo foram resumidos a seguir:
• A onda recente de política industrial é majoritariamente conduzida pelas economias avançadas, sendo os subsídios o principal instrumento empregado.
• As políticas industriais estão concentradas na China, União Europeia e Estados Unidos, que respondem por 48% das medidas.
• Quanto aos instrumentos, subsídios domésticos, subsídios à exportação e políticas de localização (conteúdo local, p. ex.) são, em ordem, os três instrumentos mais comuns nas economias avançadas, que contam com maior espaço fiscal.
• Restrições comerciais sobre importações são o segundo principal instrumento utilizado por economias emergentes e em desenvolvimento, após os subsídios domésticos, espelhando os subsídios às exportações das economias avançadas.
• Instrumentos variam muito caso a caso: incentivos à exportação são mais empregados por Canadá, Alemanha, Japão e Coreia do Sul; medidas de localização por Estados Unidos e Índia; restrições sobre exportações por China, Índia e Rússia; barreiras à importação por países em desenvolvimento de baixa renda.
• Na fase atual, uso de política industrial não está mais restrita à existência e correção de falhas de mercado.
• A competitividade estratégica é o principal motivo apontado pelo qual os governos se utilizam de medidas de política industrial (mais de 1/3 dos casos), associada a outros objetivos em ascensão, como o combate às mudanças climáticas (28%), a resiliência produtiva (15%) e a segurança nacional/tensões geopolíticas (20%).
• Países com concentração de exportação mais elevada tendem adotar mais medidas de política industrial, consistente com a ideia de diversificação econômica a partir das políticas industriais.
• As medidas implementadas estão positivamente correlacionadas com o uso prévio de medidas por outros governos no mesmo setor, o que indica uma dinâmica de “efeito cascata” na adoção da política industrial.
• Levantamento entre jan/21 e dez/23 para China, União Europeia e Estados Unidos aponta que, em média, há uma probabilidade de 73,8% de que um subsídio para certo produto adotado por uma dessas grandes economias leve à adoção, por parte de outra dessas economias, de um subsídio para o mesmo produto em menos de 1 ano.
• Setorialmente, no início de 2023 a ênfase foi para produtos médicos, mas rapidamente deram lugar para produtos de uso militar/civil, de tecnologias avançadas, incluindo as de baixo carbono, bem como semicondutores e minerais críticos.
• Observa-se uma correlação positiva entre o número de medidas de política industrial e a ocorrência de eleições no ano de implementação da medida ou no ano seguinte.
• Governos com inclinação mais à direita no espectro político tendem a adotar mais medidas de política industrial do que governos mais à esquerda; e governos melhor avaliados também são mais propensos a tomar medidas de política industrial.
• Condições macroeconômicas domésticas (isto é, conjunturais) também podem estar correlacionados com o uso de medidas de política industrial, como episódios de apreciação da taxa de câmbio, corroendo a competitividade do produto local.
O “retorno” da política industrial
A política industrial tem ganhado crescente destaque no debate público nos últimos anos. Dados dos pesquisadores do FMI responsáveis pelo documento “The Return of Industrial Policy in Data” (Simon Evenett, Adam Jakubik, Fernando Martín e Michele Ruta) indicam que, na década de 1990, o número de artigos com menções à política industrial na grande imprensa oscilava, em geral, abaixo de 2.000 por ano.
Na década seguinte, esse número cresceu, mas vai ganhar maior importância somente após a crise financeira global de 2008 e, sobretudo, depois de 2015. Antes da pandemia de COVID-19, em 2019, atinge seu pico com cerca de 18.000 menções. Em 2020, recua para um patamar de 12.000 menções e, novamente, volta a crescer até 2023, com aproximadamente 16.000 citações.
Esse movimento denota renovado interesse pela política industrial, segundo os autores, em grande medida explicado pelo fato de que os governos estão buscando ferramentas e estratégias efetivas para enfrentar um conjunto interrelacionado de crises, como o baixo crescimento econômico após a crise financeira global, a pandemia de COVID-19 e as rupturas associadas às cadeias de produção, acoplados com a intensificação de tensões e conflitos geopolíticos em meio à corrida tecnológica, bem como as demandas crescentes por mitigação das mudanças climáticas.
Diante desses múltiplos desafios, renovam-se os instrumentos e o uso de medidas de política industrial por parte de diferentes governos, o que também tem levado outros países a adotarem medidas como forma de proteção e mesmo retaliação, buscando garantir segurança nacional e evitar perdas econômicas. Tal dinâmica, contudo, pode deteriorar as condições do sistema multilateral de comércio, que se mostra frágil para lidar com esse tipo de situação, segundo o documento do FMI.
Dados recentes de medidas implementadas entre janeiro de 2021 e dezembro de 2023 para China, União Europeia e Estados Unidos apontam que, em média, há uma probabilidade de 73,8% de que um subsídio para determinado produto implementado por uma dessas grandes economias leve à adoção, por parte de outra dessas economias, de um subsídio para o mesmo produto em menos de um ano.
Essa dinâmica é ainda mais acentuada quando a resposta é da União Europeia e dos Estados Unidos em relação à introdução de novos subsídios por parte da China, em comparação ao que é a resposta chinesa à introdução de novos subsídios pela União Europeia ou Estados Unidos.
A contribuição do texto do FMI intitulado “The Return of Industrial Policy in Data” consiste em prover evidências sobre o uso mais recente da política industrial, seus instrumentos e motivações, a partir de uma nova base de dados, compilada pelo “New Industrial Policy Observatory” (NIPO).
Diferentemente de outras políticas, como a política monetária e a política fiscal, não há para a política industrial um conjunto de informações sistemáticas e de grande qualidade sobre o que os países estão fazendo. Como resultado, as avaliações empíricas sobre política industrial tendem a se restringir a estudos setoriais ou casos nacionais.
Uma abordagem alternativa para superar a limitação de dados tem sido realizada a partir da utilização da base de dados do “Global Trade Alert” (GTA), que registra intervenções de política comercial implementadas unilateralmente pelos países desde novembro de 2008, muitas vezes associadas com políticas industriais, incluindo subsídios às corporações.
Na nova base de dados do NIPO, considera-se como política industrial qualquer intervenção governamental direcionada com o objetivo de desenvolver ou apoiar firmas, setores ou atividades econômicas domésticas específicas, a fim de alcançar objetivos nacionais econômicos ou não econômicos (como sociais, ambientais ou de segurança). Busca-se, assim, melhorar a transparência acerca do uso da política industrial, sua avaliação e seus impactos.
Trata-se de um esforço ainda inicial de uma agenda de pesquisa crescente com dados coletados, a princípio, apenas para 2023. Porém, realizam-se avanços importantes em relação à base do GTA supracitada, no sentido de:
(i) prover uma distinção entre diferentes níveis de intervenção, a exemplo de planos estratégicos do governo, políticas e regulações implementadas, e intervenções específicas relacionadas às firmas, como autorização de investimentos estrangeiros e concessão de subsídios;
(ii) explicitar o motivo da intervenção, de acordo com as fontes oficiais dos respectivos governos;
(iii) associar as intervenções com grupos pré-definidos de produtos em setores estratégicos, como produtos médicos, semicondutores, minerais críticos, uso militar/civil, tecnologia de baixo carbono, e outras tecnologias avançadas; e
(iv) ampliar o espectro de intervenções das políticas rastreadas, de modo a incluir também diversas intervenções relacionadas às tecnologias.
Registram-se, então, para 2023, mais de 2.500 intervenções de política industrial no mundo, 71% das quais podem impactar e alterar a dinâmica de comércio. Um conjunto de padrões, detalhado mais adiante, pode ser descrito a partir dos dados sobre política industrial coletados pelo FMI:
• As políticas industriais estão concentradas nas principais economias, como China, União Europeia e Estados Unidos, que respondem por 48% das medidas;
• As economias avançadas têm sido mais ativas no uso de política industrial do que as economias emergentes e em desenvolvimento, sendo os subsídios às corporações o tipo mais comum de instrumento utilizado;
• O tipo de instrumento difere entre economias avançadas e em desenvolvimento, sendo apoios financeiros diretos, empréstimos governamentais e auxílios governamentais mais comuns nas economias avançadas, enquanto que as economias em desenvolvimento optam por empréstimos governamentais, isenção tributária e injeções de capital, além de restrições comerciais sobre importações e exportações;
• Dentre as principais motivações para implementação de medidas de política industrial, destacam-se as preocupações com a competitividade estratégica, sendo apontada como objetivo principal em mais de um terço das medidas adotadas, seguida por combate às mudanças climáticas (28%) e resiliência da cadeia produtiva (15%), além de segurança nacional e tensões geopolíticas que, juntas, respondem por 20%;
• Do ponto de vista setorial, identifica-se o setor de produtos médicos como principal alvo de política industrial no início de 2023, sendo, porém, rapidamente superado por produtos de uso militar/civil e produtos de tecnologias avançadas, incluindo de tecnologia de baixo carbono, bem como semicondutores e seus insumos, a exemplo de minerais críticos.
A discussão proposta no texto dialoga com a literatura existente sobre política industrial, indicando, mesmo que de modo preliminar, que o uso de política industrial está associado a um conjunto amplo de fatores que não necessariamente se relacionam com a existência e correção de falhas de mercado, argumento este bastante difundido na literatura econômica para intervenções de política industrial.
Vale destacar que os governos têm cada vez mais elencado outras razões, para além da competividade em si, para implementar políticas industriais. Isso perpassa o conjunto de desafios globais já mencionados, derivados das mudanças climáticas e da pandemia de COVID-19, além das considerações sobre segurança nacional.
A partir de análise econométrica realizada pelos autores, observa-se, do ponto de vista das características setoriais, uma correlação positiva entre as medidas de política industrial adotadas e as vantagens comparativas reveladas, bem como com as medidas anteriores de política industrial impostas por outros países nos mesmos setores. Isso corrobora a ideia de que as medidas de política industrial podem conduzir a uma dinâmica de retaliação entre parceiros comerciais e prejudicar as relações de comércio internacional.
Já do ponto de vista das características dos países, nota-se a influência de fatores de economia política sobre a adoção de medidas de política industrial, já que países com eleições próximas a ocorrer tendem a implementar mais esse tipo de medida. Também se observa a influência de fatores estruturais, uma vez que países com concentração de exportação mais elevada também tende a intervir mais.
Já os fatores macroeconômicos cíclicos também afetam a adoção de políticas industriais, de modo que a perda de competitividade externa por meio de uma apreciação cambial pode resultar em uso maior de política industrial. Mais detalhes são apresentados a seguir.
A metodologia da base de dados do NIPO
A base de dados do FMI registra as medidas implementadas ou anunciadas a partir de 1º de janeiro de 2023 e é atualizada mensalmente. Cada registro na base de dados se refere a uma intervenção governamental distinta.
Monitoram-se 75 jurisdições (entre países e blocos econômicos), que respondem por 94% do PIB global, sendo 45,3% de economias avançadas e 54,7% de economias emergentes e em desenvolvimento.
Toda região do globo é representada, sendo: 13 da Ásia-Pacífico (17,3%), 31 da Europa e da Ásia Central (41,3%), 9 da América Latina e do Caribe (12%), 9 do Oriente Médio e do Norte da África (12%), 2 da América do Norte (2,7%), 4 do Sul da Ásia (5,3%) e 7 da África Subsaariana (9,3%).
Além disso, a base de dados depende de informações coletadas pela equipe do “Global Trade Alert”, de modo que as medidas do GTA precisam atender a, pelo menos, um dos seguintes critérios: (i) a medida deve estar associada a um conjunto pré-definido de motivos para sua implementação, conforme relatado pelos governos; (ii) a medida deve cobrir, ao menos, um dos conjuntos pré-definidos de categorias de produtos ou serviços; e (iii) a medida deve ser uma estratégia ou plano industrial.
A respeito do primeiro critério, consideram-se aquelas medidas que possuam como motivo declarado para realização da intervenção as seguintes razões: segurança nacional, preocupações geopolíticas (como no caso das sanções impostas contra a Rússia relacionadas à guerra na Ucrânia), resiliência/garantia de oferta de produtos não alimentícios, competitividade estratégica em determinado setor ou produto (inclusive em termos de inovação doméstica), e preocupações com a mitigação das mudanças climáticas e outras metas ambientais rumo à transição para uma economia de baixo carbono. Cada registro na base de dados pode estar associado a mais de um motivo.
Sobre o segundo critério, são definidos grupos de produtos ou serviços: tecnologias de baixo carbono (incluindo tecnologias e máquinas como turbinas eólicas, painéis solares, sistemas de biomassa e equipamentos de captura de carbono), produtos de duplo uso (com uso civil e militar em itens como bens, softwares e tecnologias, além de hidrogênio, ferro, aço e alumínio), minerais críticos (correspondentes a minerais necessários à produção de bens utilizados no cotidiano e nas tecnologias modernas), produtos de tecnologia avançada (relacionados, por exemplo, a aplicações médicas e industriais de descobertas científicas, equipamentos ópticos, robótica, eletrônica, cabos de fibra óptica, produtos aeroespaciais e tecnologia nuclear), semicondutores, produtos médicos (como medicamentos, vacinas e equipamentos médicos), e tecnologia da informação ou serviços digitais.
Acerca do último critério, leva-se em consideração o nível de intervenção governamental, de modo a identificar se a medida faz parte de uma estratégia ou plano industrial. Tais planos e estratégias tendem a durar por vários anos e podem estar relacionados a um conjunto mais amplo de políticas e intervenções.
Logo, três níveis de intervenções são registrados: planos e estratégias mais amplos, políticas e regulações, e intervenções mais específicas aplicadas às firmas. Por exemplo, dos 2.580 registros identificados na base para 2023, tem-se que: 98 correspondiam a planos e estratégias (3,80%), 1.451 relacionavam-se com políticas e regulações (56,24%) e 1.031 registros eram de intervenções específicas às firmas (39,96%).
As principais categorias de instrumentos de política identificados são:
• barreiras à exportação (como proibições, tarifas, quotas e licenças),
• barreiras à importação (como proibições, tarifas, quotas e licenças),
• subsídios domésticos (incluindo isenções tributárias, empréstimos governamentais, garantias de empréstimos, medidas de estabilização de preços, subsídios à produção e outros incentivos à produção doméstica),
• ncentivos à exportação (incluindo benefícios tributários, subsídios e financiamento à exportação),
• medidas de investimento estrangeiro direto (incluindo requerimentos de entrada de IED e propriedade de capital),
• políticas de compras públicas (para favorecer produtores locais em contratos governamentais) e
• incentivos ou requerimentos de localização (como exigências de conteúdo local).
A partir desse conjunto de variáveis, é possível realizar uma análise da política industrial que vem sendo implementada pelos países, avaliando sua distribuição regional, os principais instrumentos utilizados, os setores priorizados e as motivações governamentais.
Panorama da política industrial: economias avançadas x economias emergentes
Constata-se que as medidas de política industrial ao longo de 2023 aumentaram tanto nas economias avançadas como nas economias emergentes e em desenvolvimento. Foram mais de 2.500 medidas adotadas, sendo cerca de 1.800 (71% do total) com impacto sobre o sistema de comércio internacional e com transbordamentos econômicos. A análise do texto do FMI foca nesse subconjunto de medidas.
A figura a seguir ilustra o fato de que a adoção do conjunto de políticas industriais tem sido desigual entre os países, sendo os países avançados os principais executores de tais práticas em 2023, uma tendência que já se observava em outros trabalhos para o período 2009-2020.
As economias avançadas responderam por 70,9% das medidas, enquanto as economias emergentes e em desenvolvimento somavam 29,1% do total. Ademais, as medidas se concentravam mais em China, União Europeia e Estados Unidos, contabilizando 47,7% do total de registros.
Panorama da política industrial: regiões e instrumentos
Nota-se amplo uso de instrumentos de política industrial tanto nos países avançados como emergentes e em desenvolvimento. Para ambos os grupos, os instrumentos mais utilizados são os subsídios aos produtores domésticos.
Entretanto, o segundo instrumento mais empregado nos países avançados são os incentivos à exportação, seguido por políticas de localização, enquanto para os países emergentes e em desenvolvimento as barreiras à importação são o segundo instrumento mais utilizado, seguido também por políticas de localização, como mostra a figura a seguir.
É válido destacar que o uso dessas políticas varia de acordo com a jurisdição. Por exemplo, incentivos à exportação são mais utilizados por Canadá, Alemanha, Japão e Coreia do Sul, ao passo que Estados Unidos e Índia se utilizam mais de medidas de localização. Já restrições sobre exportações são mais empregadas por China, Índia e Rússia, enquanto que países em desenvolvimento de baixa renda tendem a empregar mais barreiras à importação.
A diferença no uso dos instrumentos entre países avançados e países emergentes e em desenvolvimento pode resultar do espaço fiscal e da capacidade administrativa mais limitada presente neste último grupo de países.
A figura acima retrata, de maneira mais detalhada, a combinação de instrumentos específicos de cada conjunto de países, de modo que os países avançados tendem a se utilizar mais de benefícios financeiros diretos, empréstimos governamentais e outras formas de auxílios governamentais, enquanto que os países emergentes e em desenvolvimento optam mais por tarifas de importação, empréstimos governamentais e alívio tributário, além de, em geral, também adotarem mais restrições comerciais sobre exportações e importações, as quais não dependem de gastos diretos do orçamento governamental.
Há também importantes diferenças regionais na escolha dos instrumentos de política industrial, como ilustra a figura a seguir. Os governos na Europa e Ásia Central, bem como na América do Norte, usam comparativamente mais subsídios domésticos do que as demais regiões do globo. Já os governos na Ásia-Pacífico, América Latina e Caribe, além do Sul da Ásia, tendem a utilizar-se mais de barreiras à importação.
Apesar de medidas de localização não serem uma prática muito comum de política, as economias do Sul da Ásia e da América do Norte tendem a empregá-las relativamente mais do que países de outras regiões. Já os incentivos às exportações são mais frequentes na Ásia-Pacífico e na Europa e Ásia Central.
O uso de compras públicas tende a ser mais utilizado na América do Norte do que em outras regiões. Por fim, há poucas diferenças regionais acerca do uso de medidas relacionadas ao IED, as quais têm sido menos utilizadas.
Panorama da política industrial: setores e instrumentos
Outro resultado importante a partir dos novos dados divulgados pelo texto do FMI se refere à distribuição setorial das medidas de política industrial. A figura abaixo mostra que o foco da política industrial se modificou ao longo de 2023 em termos dos setores/produtos priorizados.
Os produtos médicos foram extremamente importantes durante a fase inicial da pandemia de COVID-19, porém durante 2023 houve uma mudança de foco para produtos com uso militar/civil (25,7%), tecnologias de baixo carbono (15,3%) e outras tecnologias avançadas, como equipamentos médicos e semicondutores (20,6%) e seus insumos, como minerais críticos (3,0%). Aço e alumínio, alvos tradicionais de política industrial, mantiveram sua presença (10,1%) mesmo entre as medidas recentemente implementadas.
Motivações governamentais para a implementação das políticas industriais
A última análise descritiva proposta no texto do FMI se refere às motivações governamentais para a implementação das políticas industriais. Dentre o conjunto de medidas para as quais há uma motivação declarada, a principal razão apontada tem sido a garantia da competitividade estratégica de setores domésticos (37,0%), seguida por preocupações relacionadas ao clima (28,1%), garantia de resiliência da cadeia de produção (15,2%) e preocupações geopolíticas e de segurança nacional somadas (19,7%), conforme aponta o gráfico abaixo.
Isso sinaliza para um conjunto diversificado de razões acerca do uso recente de política industrial, para além de motivações típicas e comumente observadas no passado de garantia da competitividade setorial.
Vale destacar que as motivações relacionadas ao clima, à geopolítica e à segurança nacional são predominantemente relatadas por economias avançadas, ao passo que as economias emergentes e em desenvolvimento se concentram mais na competitividade estratégica e outros motivos, conforme ilustrado a seguir.
O instrumento de política mais escolhido para enfrentar os desafios climáticos tem sido os subsídios domésticos, enquanto que as ferramentas utilizadas para garantir a segurança nacional são mais variadas e incluem medidas de comércio exterior e compras públicas.
A garantia da competitividade estratégica é perseguida por meio de subsídios domésticos e subsídios à exportação nas economias avançadas, porém em cerca da metade dos casos as economias emergentes e em desenvolvimento se utilizam de outros instrumentos para isso.
Os determinantes do uso da política industrial
A partir dos registros do Observatório para 2023, os pesquisadores do FMI realizaram uma avaliação, ainda que preliminar, sobre os determinantes do uso da política industrial. Dado o curto período de tempo disponível, contudo, ainda não se pode analisar os impactos das intervenções de política industrial implementadas, ponderam.
Foram considerados, assim, cinco principais conjuntos de determinantes que podem estar associados com a adoção das medidas de política industrial:
(i) a posição no mercado global (ou as vantagens comparativas reveladas);
(ii) a dinâmica de retaliação por parte de outros governos;
(iii) fatores de economia política;
(iv) fatores estruturais; e
(v) fatores cíclicos.
Para essa avaliação de caráter exploratório, os autores do estudo do FMI aplicaram duas abordagens econométricas, buscando avaliar, (i) na primeira delas, com base em dados de países e setores/produtos, a relação entre as medidas de política industrial e as vantagens comparativas reveladas e a dinâmica de retaliação pela adoção de medidas por outros países sobre o mesmo produto no ano anterior; e (ii) na segunda abordagem, com base em dados de países, a influência da economia política, de fatores estruturais e de fatores macroeconômicos cíclicos sobre o uso de medidas de política industrial.
Com base no primeiro modelo de regressão em painel, apresentado na tabela a seguir, os coeficientes estimados apontam para uma correlação positiva entre a quantidade de medidas adotadas (NIPs) – ou mesmo entre a existência de alguma medida de política industrial (Dummy #NIPs > 0) – e as vantagens comparativas reveladas, um indicador competitivo do país em determinado produto/setor no comércio internacional, o que revela seu posicionamento no mercado global.
Também se verifica uma correlação positiva entre as medidas adotadas e outras medidas implementadas por outros países no ano anterior, sinalizando a potencial existência de uma dinâmica de “efeito cascata” no uso da política industrial.
Com base no segundo modelo de regressão, é possível controlar por todas as variáveis especificadas (coluna 1 da figura abaixo) ou analisar por cada grupo de variáveis separadamente (colunas 2 a 4 da mesma figura). Isso permite revelar que são as variáveis estruturais – mais do que aquelas relacionadas à economia política e ao ciclo macroeconômico – que melhoram a qualidade de ajuste do modelo de maneira mais expressiva (mensurada pela estatística R2).
A partir desse modelo, verifica-se que as variáveis de economia política utilizadas – como a ocorrência de eleições em 2023, eleições em 2024, índice do número médio de governos de esquerda e índice de efetividade do governo como proxy de sua capacidade administrativa – tendem a não explicar muito da variação no uso das políticas industriais quando tomadas isoladamente, pois não são estatisticamente significativas, exceto no caso do indicador de efetividade do governo (ver coluna 2).
Quando mais controles são inseridos no modelo (coluna 1), essas variáveis passam a ter algum poder de explicação e, neste caso, observa-se uma correlação positiva entre o número de medidas de política industrial e a ocorrência de eleições no ano de implementação da medida ou no ano seguinte.
Ademais, governos com inclinação mais à direita no espectro político tendem a adotar mais medidas de política industrial, o que poderia ir contra o senso comum de que governos mais à esquerda tendem a ser mais intervencionistas. Além disso, governos melhor avaliados no ranking de efetividade também são mais propensos a tomar medidas de política industrial.
Ao se avaliar a influência das variáveis estruturais (como índice de concentração das exportações, relação dívida/PIB, crédito ao setor privado, nota de risco de dívida soberana e PIB em 2022), constata-se que uma concentração das exportações mais elevada é positivamente correlacionada com o número de medidas de política industrial utilizadas, o que é consistente com a ideia de diversificar a economia a partir das políticas industriais.
Ademais, variáveis que indicam menor espaço fiscal, como pior nota de risco de dívida soberana, não parecem inibir o uso de política industrial. Já o crédito ao setor privado aparece negativamente correlacionado com a implementação de medidas de política industrial, podendo ocorrer em algum grau substituição entre o acesso ao financiamento no mercado e a intervenção governamental.
Por fim, o PIB maior tende a se correlacionar com a adoção de mais medidas, o que é compatível com as observações anteriores de que são os países avançados (isto é, com maior renda per capita) que mais fazem uso das medidas de política industrial.
As duas últimas variáveis do modelo capturam efeitos de fatores macroeconômicos cíclicos. Por um lado, o crescimento do PIB de 2022 para 2023 tende a estar associado com a adoção de um número menor de medidas, quando apenas tais variáveis cíclicas são incluídas no modelo (coluna 4 da figura acima), o que implica um caráter potencialmente anticíclico na adoção da política industrial.
Contudo, cabe observar que essa correlação perde significância estatística, quando as demais variáveis de controle – variáveis de economia política e variáveis estruturais – são consideradas no modelo (coluna 1).
Por outro lado, aumentos da taxa de câmbio efetiva real indicam perda de competitividade internacional, de modo que a apreciação cambial aparenta estar positivamente correlacionada com as medidas de política industrial, tanto na presença ou ausência de outras variáveis de controle. Isso indica que o uso de política industrial pode ser consistente com o alcance de metas de curto prazo para contrabalancear a perda de competitividade internacional.
Em suma, o texto do FMI oferece importantes evidências empíricas sobre o uso crescente de medidas de política industrial no contexto recente. Embora outras pesquisas sejam necessárias, como alertar seus autores, inclusive com aprimoramento da base de dados ao longo do tempo, é possível avaliar de modo mais consistente a fase atual de política industrial no mundo a partir dos dados sistematizados pelo Observatório.
Verifica-se que países avançados têm adotado mais ativamente as políticas industriais, sobretudo por meio de subsídios domésticos e subsídios à exportação. Restrições comerciais às exportações e importações têm sido mais frequentemente utilizadas por países emergentes e em desenvolvimento. A principal motivação para o retorno das políticas industriais pelos governos tem sido a busca por competitividade estratégica, seguida por preocupações com as mudanças climáticas e a garantia da resiliência das cadeias produtivas.
Nas análises exploratórias de regressão, indica-se que a introdução de medidas de política industrial em dado setor está correlacionada com vantagens comparativas reveladas e o uso de medidas por outros países no mesmo setor. Além disso, fatores domésticos de economia política (como eleições próximas), fatores estruturais (como certo afrouxamento fiscal) e fatores cíclicos (como perda de competitividade internacional devido à apreciação cambial) se correlacionam com o uso de política industrial.
A partir disso, é possível vislumbrar uma ampla agenda de pesquisa, a fim de avaliar a eficácia da política industrial em alcançar os objetivos preestabelecidos, bem como suas implicações macroeconômicas. Trabalhos futuros também poderão refletir acerca dos impactos do uso dessas políticas sobre os distintos parceiros comerciais e a concorrência internacional, assim como o sistema multilateral de comércio e a construção de mecanismos necessários para alcançar objetivos comuns globalmente.
Fonte: https://www.iedi.org.br/cartas/carta_iedi_n_1254.html
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