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Economista: Histórico Sobre a Formação, Profissão e Legislação
A identidade e a formação do profissional Economista em nosso País foram se constituindo de maneira progressiva e em paralelo ao desenvolvimento da economia brasileira, na medida em que esse processo demandava a necessidade de profissionais detentores de tais conhecimentos e habilidades.
A primeira manifestação sobre a necessidade do ensino de Economia no Brasil remonta ao início do século XIX, logo após a chegada da Família Real e a promulgação da abertura dos portos às nações amigas.
Nesse episódio vale destacar a presença de José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu (1756-1835), que por sua atuação política e acadêmica é considerado o Patrono dos economistas brasileiros e símbolo da primeira intenção do ensino das Ciências Econômicas no Brasil.
Em suas origens e ao longo de um século o ensino de Economia esteve sempre vinculado aos níveis superior e técnico. Contudo, foi o ensino técnico comercial que deu origem ao primeiro curso superior de Economia.
No período da Primeira Republica (1889-1930) foram criadas quatorze novas faculdades de direito, todas elas contempladas com a disciplina de Economia Política. O ensino da Cadeira de Economia teve nos cursos de Engenharia outro importante espaço para sua difusão, embora comparativamente menor do que os cursos jurídicos. Nesses cursos a economia era utilizada como instrumento complementar, ficando restrita mais aos seus aspectos técnicos e menos aos teóricos. Sua maior contribuição se deu pelas chamadas cadeiras quantitativas.
Dessa forma, até o final da Primeira República, a Economia Política era uma disciplina isolada nos cursos de Direito e Engenharia e a condução da política econômica era feita por políticos (em grande parte advogados) sem qualquer formação em economia.
Como já ressaltado, outra vertente do ensino de economia no Brasil foi o Ensino Técnico Comercial que ganhou importância com a criação, no ano de 1856, do Instituto Comercial do Rio de Janeiro. Tratava-se de um curso eminentemente prático e preocupado com a formação de um profissional voltado à gestão do negócio, ou seja, de acordo com as necessidades reclamadas pelo mercado brasileiro em meados do século XIX. O curso geral, preparatório para o superior, se destinava à formação de guarda-livros, peritos judiciais e empregados da Fazenda e deixou de ter em sua grade curricular a disciplina de Economia que foi transferido para o curso superior.
O curso superior, que passou a abrigar o estudo da Ciência Econômica, era voltado essencialmente para a habilitação de agentes consulares, funcionários do Ministério de Relações Exteriores, atuários de companhias de seguros, chefes de contabilidade de bancos e de grandes empresas comerciais.
Em que pese a denominação de “curso superior”, aqueles que o concluíam recebiam diploma de graduado em Ciências Econômicas e Comerciais, não se equiparando aos demais bacharéis (como engenharia, medicina e direito). Não eram titulados nem como bacharéis nem como doutores. A despeito de 1909 ser considerado o ano de criação da primeira faculdade de Economia, com o estabelecimento da “Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro”, seu reconhecimento oficial só iria acontecer anos mais tarde, através do Decreto nº 17.329, de 20 de maio de 1926, que homologou o ensino de Ciências Econômicas e Comerciais no Brasil. Esse decreto contribuiu para o avanço no processo de credenciamento da profissão do economista.
O primeiro curso de Economia integrado a uma estrutura universitária surgiu em 1946, com a criação do curso de Economia na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil, posteriormente denominada Faculdade de Economia e Administração, atual Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. À época de sua criação, o currículo adotado passou a ser padrão no País.
Como se percebe, o início do ensino de economia no Brasil Imperial foi marcado pelas aulas de comércio para em seguida se desdobrar em dois segmentos: o estudo teórico, concentrado nas faculdades de direito, e o estudo dirigido às questões práticas, presentes nas aulas dos institutos de comércio.
A formação, o mercado de trabalho e a profissão de economista no Brasil, que neste ano está completando 69 anos de sua regulamentação profissional – Lei nº 1411, de 13 de agosto de 1951 – foram temas que sempre estiveram presentes nos debates do Simpósio Nacional dos Conselhos de Economia – SINCE.
Ao longo dos anos 70 e início da década de 80, a discussão sobre a clareza da definição do profissional e a dicotomia entre teoria e prática, aliadas à crise da teoria econômica, resultavam numa grande insatisfação, tanto no meio profissional quanto acadêmico, em relação à formulação do currículo dos cursos de Economia existentes.
A Lei de Diretrizes e Bases, por meio do Parecer nº. 397/62 do Conselho Federal de Educação, estabeleceu para todos os cursos superiores o currículo mínimo ao invés do pleno. Esta flexibilização atribuía ao Conselho Federal de Educação a competência para a fixação desses currículos ao invés de ser estabelecido por lei. A Resolução de 08/02/63 definiu nove disciplinas para o ciclo básico e oito para o ciclo profissional. Apesar do progresso obtido com a adoção do currículo mínimo, permaneceu o intenso debate acerca da melhor qualificação profissional do economista, que à época apresentava crescente procura pelo mercado, tanto pelo setor público quanto pelo privado.
A primeira dificuldade encontrada na concepção ideal de um currículo para o curso de Economia diz respeito ao papel do economista no mercado de trabalho. Para alguns ele é um profissional dedicado a administrar empresas individuais. Para outros, trata-se de pessoa para entender e eventualmente formular a política econômica de um país ou região. Entre estes dois extremos, existe uma gama razoável de definições de responsabilidade que, hora sim, hora não, são imputadas à profissão. Entendemos como economista o profissional que a partir de um bom domínio da Teoria Econômica está capacitado para intervir no processo social e de colocar a serviço da comunidade moderna um conjunto de conhecimentos científicos, acumulados e sistematizados ao longo da história.
O curso de ciências econômicas se situa na área das ciências sociais aplicadas, um espaço que pode ser entendido como uma intercessão da área de exatas e de humanas. Em geral, um currículo de graduação não é, em nenhuma ciência, objeto de uma “revolução permanente”, já que não reflete o estado da fronteira de uma ciência em permanente movimento, mas uma norma de exposição de suas proposições fundamentais. Esta retransmissão de conhecimento se dirige a um público leigo com o objetivo de transformá-lo em um tipo especifico de iniciado.
Um currículo de graduação é, portanto, um instrumento de divulgação e treinamento. Como todo instrumento de treinamento, é moldado também pela intenção não científica que preside ao treinamento; daí decorre sua determinação quanto ao tipo de produto obtido, se um profissional na operação de uma técnica, se um profissional na produção e difusão do conhecimento científico. Dependendo da definição adotada, mudará o currículo e o conteúdo das disciplinas ministradas.
Supõe-se que o curso de Economia forme os dois tipos do produto acabado acima referidos: o profissional na operação de uma técnica e o profissional na produção e difusão do conhecimento científico. Esta ambiguidade reflete, de certo modo, a maneira abrangente pelo qual é usualmente pensada a própria natureza da “Economia”.
Sua designação se refere indistintamente a uma ciência e a uma técnica. Respeitados os limites inerentes a qualquer analogia podemos supor que não ocorreu na Economia uma separação equivalente à existente entre a Física (ciência) e a Engenharia (técnica). Em resumo, a insatisfação com a estrutura curricular vigente na época se situava (ou talvez ainda hoje se situe), basicamente em dois aspectos. O primeiro supõe que o curso de Economia forme indistintamente o profissional na produção e difusão do conhecimento científico (o economista-físico) e o profissional na operação de uma técnica (o economista engenheiro).
O segundo se manifestava, e ainda hoje se manifesta, na queixa de parte do corpo discente e de alguns profissionais sobre o excesso de disciplinas teóricas ministradas no curso e sobre a necessidade da inclusão de cadeiras com vistas “a uma formação para o mercado de trabalho”. Foi nesse clima de insatisfação em relação ao currículo escolar e a resposta pouco favorável do mercado de trabalho aos recém-egressos dos cursos de Economia que, no IX Simpósio dos Conselhos de Economia, realizado de 24 a 27 de julho de 1982, em Florianópolis – SC, foi discutida a proposta de novo currículo mínimo para o curso de Economia, apresentada pela comissão especial nomeada pelo presidente do Conselho Federal de Economia, Gunther Klaus Greeb, constituída pelos economistas e conselheiros federais, Flávio Rabelo Versiani, Paulo Cesar Timm e Reynaldo Rubem Ferreira.
Essa proposta tinha como base o anteprojeto formulado, no ano anterior, pela Secretaria de Ensino Superior do Ministério de Educação e Cultura e do Conselho Federal de Educação. Esse movimento resultou no novo currículo, aprovado pela Resolução Nº 11 de 06 de junho de 1984, derivado do Parecer 375/84. O novo currículo mínimo, que contou com amplo apoio e participação do Sistema COFECON/CORECONS, listava um número mínimo de matérias que deveriam obrigatoriamente constar do currículo de determinada área de graduação. Além dessas matérias cada faculdade ou departamento deveria acrescentar outras, para complementar o número total de horas-aula fixado pelo CFE, formando assim o seu currículo pleno.
Os princípios básicos que nortearam o novo currículo mínimo do curso de Ciências Econômicas foram:
• Sólida formação teórica, histórica e instrumental;
• Compromisso com o estudo da realidade brasileira;
• Pluralismo metodológico;
• Exigência da preparação de uma monografia individual pelo concluinte do curso;
• Composição do currículo pleno que leve em consideração os interesses de seus corpos docentes e discentes, assim como as características regionais;
• Senso ético de responsabilidade social;
• Carga horária: mínimo de 2.160 e pleno de 2.700 horas.
O atual currículo do curso, dentro da nova orientação estabelecida pelas Diretrizes Curriculares, foi definido no Parecer CNE/CES N° 95/2007, de 29.03.2007. Embora esse Parecer não trate a formação do economista com a mesma profundidade da legislação anterior, foram preservados os princípios e os fundamentos contidos no Parecer 375/84 e na Resolução 11/84. A carga horária mínima para a integralização dos 200 dias letivos por ano, previstos na nova LDB, foi definida em 3.000 horas, conforme Parecer N° 184/2006. Como as atuais diretrizes fixam 50% das 3.000 horas a serem alocadas nos conteúdos de Formação Básica obrigatória, abrangendo os conteúdos de Formação Geral, Formação Teórico-Quantitativa, Formação Histórica e conteúdos Teórico-Práticos, restam 1.500 horas a serem utilizadas pelas unidades de ensino na composição de seus currículos plenos que, em nosso entendimento, são suficientes para a complementação com disciplinas localizadas áreas específicas de Economia que farão parte da vida profissional dos alunos.
O desenvolvimento do ensino da Economia no Brasil, o crescente número de bacharéis formados em Ciências Econômicas e a busca pela equiparação aos demais cursos universitários (Direito, Engenharia e Medicina), aliados ao desejo da desvinculação das ciências jurídicas e comerciais, serviram de estímulo para acelerar o movimento desses profissionais pela regulamentação da profissão.
Mesmo com a clara evidência que o economista constituía de fato uma profissão específica, sua regulamentação foi marcada por um longo e tortuoso caminho, pautado por sérias resistências das demais profissões já regulamentadas.
No dia 13 de agosto de 1951, o Presidente da República do Brasil, Getúlio Dorneles Vargas, sanciona a Lei nº 1.411, de autoria do deputado e economista gaúcho Fernando Ferrari, que dispunha sobre a profissão de economista.
Com a promulgação da lei que regulamentou a profissão do economista no Brasil, foi instituído também o Conselho Federal de Economia com finalidade garantir a efetiva participação do profissional habilitado no desempenho de atividades técnicas na área econômico financeira, visando à defesa da sociedade e ao interesse público. Ou seja, cabe aos Conselhos do Sistema COFECON/CORECONs, criados por imperativo da lei, a defesa do interesse público, impedindo e combatendo o mau exercício da profissão, não só por parte de leigos sem habilitação, como de habilitados sem ética.
Os Conselhos de Economia têm, também, como um de seus objetivos sociais, criar canais de participação técnico científica para a discussão e reflexão de questões centradas no encaminhamento de políticas econômico-sociais, procurando, com isso, despertar uma consciência criticamente aberta sobre a realidade socioeconômica do País.
CARLOS ROBERTO DE CASTRO
ECONOMISTA
Ex-Presidente do CORECON-SP e do COFECON
Atual Delegado do SINDECON-SP junto à Federação
Agosto/20
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